'Rios-voadores', podem estar ameaçados pelo desmatamento
O abastecimento de água no Vale do Paraíba e em outras regiões do país pode estar em risco pela falta de preservação da Floresta Amazônica. É o que alertam pesquisadores do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e do Centro de Monitoramento de Desastres Naturais (Cemaden) ouvidos pelo G1 no Dia Mundial da Água, comemorado nesta sexta-feira (22).
Antonio Nobre e José Marengo fizeram parte de grupos de pesquisadores que há mais de uma década espalharam aparelhos meteorológicos pela Amazônia e depois processaram, em São José dos Campos (SP), dados de um fenômeno.
Eles comprovaram a existência de uma grande coluna de água, que é transportada pelo ar, da Amazônia ao centro-sul do continente. "Um rio maior que o Amazonas", compara Nobre, PhD em Ciências Naturais, pela Universidade de New Hampshire (EUA), e hoje pesquisador no Inpe .
"Esse rio voador só existe graças à Floresta Amazônica, que produz umidade e impulsiona a formação dele", complementa Marengo, doutor em meteorologia, com pós doutorado no renomado Instituto Goddard, da Nasa. Hoje, Marengo é coordenador-geral de pesquisas no Cemaden.
Os rios voadores, como metaforicamente foram chamados pelos pesquisadores, nascem perto da linha do Equador, ao norte do Pará. O sol evapora água do Oceano Atlântico, e a transporta para dentro do continente, graças à ação dos alísios, um vento especial que carrega umidade e provoca chuva por onde passa.
Quando percorre a região da Amazônia, essa coluna de ar úmido ganha um poderoso e decisivo aliado. Ela se junta à umidade emitida pela 'transpiração' das árvores amazônicas. O destino desse rio voador seria o Oceano Pacífico, não fosse um outro ponto determinante no percurso, a Cordilheira dos Andes.
Ao encontrar os Andes, o rio voador faz uma curva e ganha velocidade, rumo ao centro do continente. Leva chuva ao Centro-oeste, Sudeste, e partes do Sul e Nordeste brasileiros, antes de perder força. Sem esse rio voador, a realidade seria diferente.
"Do outro lado dos Andes é o Atacama, o deserto mais seco do mundo. Na África é o Namíbia-Kalahari, na Austrália é o deserto da Austrália. E São Paulo, essa região do Centro-Oeste pra baixo, é uma região que seria, geograficamente, um deserto. Esse era nosso destino geográfico, não fossem os rios voadores e a floresta", explicou NobreA quantidade de vapor emitida pelas árvores foi calculada pelos pesquisadores. "Uma árvore amazônica, com uma copa de 20 metros, chega a colocar mil litros de água por dia na atmosfera. É um irrigador em reverso. Se você pensar que a Amazônia tem 400 bilhões de árvores de variados tamanhos, a quantidade de água que passa do solo pro ar, num dia, é de 20 trilhões de litros de água. O Rio Amazonas, que é o maior do mundo, joga no Atlântico, no mesmo período, 17 trilhões de litros de água", comparou o pesquisador.
Desmatamento
A supressão de árvores na Amazônia preocupa os pesquisadores. O Inpe monitora o desmatamento, por meio do Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite (Prodes). Em 2018, foram desmatados 7.900km² de vegetação, 13,7% a mais do que em 2017.
"Se você pensar que a Amazônia já teve de 600 a 700 bilhões de árvores e hoje tem 400 bilhões, é de se preocupar. Se continuarmos nesse ritmo, o rio voador vai morrer. Eu comparo a floresta com uma bomba hidráulica. Se eu chego com uma marreta e arrebento a bomba, acabo com a irrigação da minha agricultura. Destruir floresta, destruir árvore, é quebrar a bomba que está irrigando o Brasil", disse Nobre.
"Temos que cuidar, proteger os mananciais, proteger a floresta. Se você não pode deixar a floresta intocada, pelo menosCrise hídrica
José Marengo relaciona a crise hídrica de 2014, em São Paulo, com a falta de preservação ambiental.