Mamíferos voadores em formato de pipas
Na área rural de Langkawi, na Malásia, em sua forma mais bucólica; onde búfalos-do-pântano pastam tranquilamente na companhia de suas fiéis companheiras, as garças-vaqueiras.
Seguindo para noroeste, as planícies dão lugar aos cumes irregulares do Machinchang Cambrian Geoforest Park, resultado da atividade geológica de 500 milhões de anos, agora coberto por uma exuberante floresta tropical.
A primatologista e conservacionista francesa Priscillia Miard, tem uma boa relação com moradores naturalistas e conseguiu acesso para passear pelos jardins do Andaman Resort.
"Eles construíram trilhas pela floresta tropical, que é o local perfeito para avistar mamíferos noturnos", explicou Miard, mal conseguindo conter a emoção.
A atenção deles estava voltada para o alto: a luz vermelha vasculhava as árvores como uma patrulha noturna à procura de combatentes em uma guerra na selva. Miard usava uma câmera de imagem térmica para rastrear as sombras. Não demorou muito para encontrarmos o que estávamos procurando.
Através da fraca iluminação, avistamos um objeto redondo suspenso sob um dos galhos, que mal era possível distinguir e poderia facilmente ter passado por uma jaca — se não começasse a se desdobrar.
Uma membrana que se estende do seu pescoço passando por suas mãos e pés até a cauda, com um formato semelhante a uma pipa, diferencia o colugo, antes conhecido como lêmure-voador, de outros planadores noturnos como o esquilo-voador, que tem uma cauda longa que usa para guiar seu voo.
Como não voam, tampouco usam a cauda como leme, os colugos, com a lógica de uma asa-delta que salta de uma encosta, normalmente sobem em uma árvore antes de tentar planar. Ainda assim, seu alcance é impressionante.
De acordo com Miard, eles foram filmados fazendo um voo planador de 150m, embora saltos de 30m ou menos sejam muito mais comuns.
O status de elo perdido do colugo — eles, na verdade, pertencem à sua própria ordem, dos dermópteros, tendo sobrevivido mais que todos os seus primos planadores mamíferos mais próximos — é apenas uma de suas qualidades intrigantes, que também incluem alimentar seus filhotes com leite excretado de glândulas localizadas sob suas axilas; preferência por folhas e flores a frutos; lamber seus olhos como lagartos para limpá-los; e se comunicar por meio de ultrassom (como morcegos quase cegos), apesar de ter uma boa visão.
"Eles geralmente dormem em árvores diferentes de onde gostam de se alimentar", observou Miard, enquanto um colugo pulava da copa das árvores, planando sobre nossas cabeças como um filhote de gato amarrado a uma pipa.
Eles foram registrados pela ciência pela primeira vez em 1758 — e fizeram até uma aparição na Viagem Ao Arquipélago Malaio, texto seminal do renomado naturalista britânico Alfred Russel Wallace, escrito em 1869:
Os colugos tampouco são incomuns. Embora o colugo filipino seja exclusivo de apenas algumas ilhas das Filipinas, o colugo malaio é encontrado na maioria dos habitats florestais do sudeste asiático. O que levanta a questão óbvia: por que não se sabe mais sobre eles?
Uma razão comumente citada para nossa persistente falta de conhecimento em relação aos colugos é que eles são animais sensíveis. De acordo com o naturalista Irshad Mobarak de Langkawi, "nenhum zoológico do mundo os criou com sucesso em cativeiro".
Suas fantásticas habilidades de camuflagem, hábitos noturnos e o fato de terem as árvores como habitat também aludem ao motivo de terem escapado da atenção popular por tanto tempo.
Sabendo que a observação e o trabalho de campo seriam essenciais para conhecer os colugos, Miard se mudou para Langkawi em 2018, onde uma cobertura florestal maior e terras mais planas auxiliam sua pesquisa, além de fornecer um local secundário para comparar suas descobertas em Penang.
Com a ajuda da Malaysian Primatological Society, ONG com sede em Penang, ela estabeleceu uma Estação de Pesquisa de Colugo em Temoyong, em Langkawi, que oferece uma base para estudantes e pesquisadores curiosos de todas as disciplinas virem estudar colugos.
Curiosamente, na Península da Malásia, os colugos raramente deixam as florestas, mas em Langkawi, eles chegam muito mais perto de áreas de povoamento humano. Ninguém sabe exatamente por quê.
Quando nossas esperanças estavam se esvaindo, eles avistaram um colugo agarrado a um tronco à beira da estrada. Em uma segunda inspeção, descobriram que, na verdade, eram dois: uma mãe e seu filhote bebê, agarrado a seu peito.
"Observamos que eles podem ter até três filhotes por ano; e não parecem ter uma temporada de acasalamento específica."
Em pouco tempo, colugos apareceram ao nosso redor, emergindo da escuridão como fantasmas, usando a estrada como uma espécie de passagem aérea — a lacuna formada pela rodovia, uma estrada secundária de duas pistas, mostrou ser o espaço ideal para um animal que plana, mesmo que quase acidentes com caminhões e motocicletas fossem comuns.
"Aprendemos que eles são muito sociáveis", afirmou Miard se referindo à comunidade do bairro. Uma área pode ter até 20. Mas gostaríamos de marcar um para rastrear seus movimentos com mais detalhes."
Apesar de manifestar adaptabilidade a vários habitats, há muita preocupação com as ameaças impostas aos colugos na Malásia, país onde o desmatamento continua sendo um problema real.
"A perda de habitat é a maior ameaça", ela disse. "Mas alguns fazendeiros os matam também." O assassinato de colugos como praga é irônico porque eles, na verdade, são benéficos para o meio ambiente.
"Os colugos são essenciais para a produtividade das árvores", explicou Miard.
"Veja o durião, fruta que os malaios amam. Quando a árvore floresce, os colugos comem algumas dessas flores. Isso resulta em uma fruta de melhor qualidade."
A questão da conscientização sobre o colugo é onde a pesquisa de Miard se encontra com a conservação, já que esses mamíferos misteriosos são análogos à saúde do ecossistema.
Os resultados de sua pesquisa são publicados nos perfis de rede social do Night Spotting Project (NSP), cujos objetivos incluem "salvar mamíferos noturnos por meio de pesquisa, educação e capacitação da comunidade".
"A trilha na floresta é incrível, mas poucas pessoas vão para a floresta, exceto os locais, para caçar. Esta ilha poderia realmente ser um ponto de ecoturismo", finalizou Miard, sugerindo que Langkawi ficasse conhecida como "a ilha dos colugos".