"Barriga de aluguel" para salvar peixes de extinção

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"Barriga de aluguel" para salvar peixes de extinção

Pesquisadores brasileiros estão usando a tradicional técnica de reprodução humana conhecida como barriga de aluguel para evitar que espécies de peixes nativas dos rios da região de Rio Preto sejam extintas, como a piracanjuba.

Pesquisadores brasileiros estão usando a tradicional técnica de reprodução humana conhecida como barriga de aluguel para evitar que espécies de peixes nativas dos rios da região de Rio Preto sejam extintas. O estudo inédito liderado pelo Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Peixes Continentais (CEPTA), em parceria com a CTG Brasil é apontado como a grande aposta para salvar a piracanjuba – peixe brasileiro presente nos rios da região de Rio Preto – da extinção.

Ameaçada, principalmente, por conta da destruição do seu ambiente natural, através da poluição de rios, assoreamentos e pela introdução de peixes de outras bacias hidrográficas nos rios da região de Rio Preto, a piracanjuba sofre com um terceiro problema: baixa proporção de fêmeas durante sua reprodução. Isso porque, a maioria absoluta dos peixes da espécie nascem machos (cerca de 90%).

A técnica

“Diante dessa problemática, tivemos a ideia de empregar a técnica de ‘propagação mediada’ ou ‘barriga de aluguel’. Uma tecnologia avançada, trazida do Japão, que permite que um peixe produza espermatozoides e ovos de outro peixe. Nessa técnica, um simples lambari, que é comum em todas os riachos do Brasil, podem ser mantidos em tanques artificiais ou até mesmo aquários para produzir espermatozoides e ovos de piracanjuba, aumentando a efetividade da produção de juvenis para soltura”, explicou o biólogo e especialista de Meio Ambiente da CTG Brasil, Norberto Castro Vianna.

No processo conhecido como "propagação mediada”, pesquisadores pegam as células reprodutivas da piracanjuba adulta e transplantam para um lambari. Surpreendentemente, essas células se adaptam ao corpo do lambari, se desenvolvem e produzem espermatozoides e ovos.

Com investimento de R$ 7 milhões, o projeto prevê soltar os primeiros peixes produzidos por meio da técnica nos próximos meses no rio Paraná. “Durante todo o projeto, buscamos as melhores tecnologias. E uma delas é a propagação mediada. Essa tecnologia permite que um peixe produza espermatozoides e oócitos – gameta feminino vulgarmente conhecido por ovo ou óvulo – de outro peixe”, explicou George Shigueki Yasui, pesquisador da Unesp e do CEPTA, órgão ligado ao Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).

A escolha do lambari como reprodutor de espécies em extinção não é em vão. Peixe comum nas bacias hidrográficas do Brasil, a espécie é facilmente domesticável para reprodução em aquários.

Além disso, os lambaris se reproduzem mais de uma vez ao ano; as fêmeas, normalmente, não morrem de estresse ou hemorragia, como outros peixes; e a proporção sexual a cada reprodução é de 50% de fêmeas e 50% de machos. “Os estudos nos mostram que as células da piracanjuba que são transplantadas, se desenvolvem no corpo do lambari, sem que haja nenhuma alteração genética, fusão ou combinação com as células do lambari”, afirmou Norberto, sobre um risco das espécies geradas pela técnica comprometer o ecossistema aquático.

Durante as pesquisas, um problema recorrente era que os lambaris que recebiam células da piracanjuba produziam espermatozoides e oócitos de piracanjuba, mas também do próprio lambari, já que ele ainda apresentava células reprodutivas próprias.

“Para resolver tal problema, nós investimos vários anos de pesquisa até desenvolver um lambari estéril, sem nenhuma célula reprodutiva, e esse lambari estéril estamos empregando para receber células da piracanjuba. Com esse procedimento, nós estamos 100% seguros que o lambari produzirá apenas espermatozoides e oócitos da piracanjuba, o que garante a qualidade genética das piracanjubas produzidas por propagação mediada”, falou Norberto.

Congelamento

Além da reprodução de peixes em risco de extinção por meio de “barriga de aluguel”, os pesquisadores estão trabalhando com bancos de germoplasma da piracanjuba. “Estamos conseguindo congelar células embrionárias. Isso porque, caso espécies de peixes sejam extintas, podemos descongelar a amostra, transplantar para outro peixe e salvar a espécie”, afirmou George.

A CTG Brasil, que administra a Usina Hidrelétrica de Ilha Solteira, ainda não tem uma data para conclusão do projeto e soltura dos primeiros peixes piracanjuba no rio Paraná. Contudo, a empresa já vislumbra aplicar a técnica para também salvar o pintado – peixe listado como ameaçado de extinção e cuja pesca está proibida.

O estudo está sendo realizado pelos biólogos Norberto Castro Vianna (CTG Brasil), George Shigueki Yasui (CEPTA) e José Augusto Senhorini (CEPTA). “Desenvolver tecnologias para essa espécies será fundamental, dada a importância ecológica e econômica”, finalizou Norberto.

Risco de extinção

Além da piracanjuba, pelo menos outras cinco espécies de peixes estão ameaçadas de extinção nos rios da região de Rio Preto. É o que aponta um levantamento feito pelo Diário junto a pesquisadores que estudam a fauna aquática do noroeste do Estado de São Paulo.

Vítimas da pesca predatória, poluição, usinas hidrelétricas e até da destruição de matas ciliares, espécies como dourado, tabarana, pintado, jaú e lambari do rabo amarelo desapareceram dos rios regionais nos últimos anos.

Segundo o professor do laboratório de ictiologia da Unesp de Rio Preto, Francisco Langeani Neto, vários são os fatores que explicam o desaparecimento das espécies dos rios da região. "Um deles é a alteração dos ambientes naturais dessas espécies. Nos últimos anos, temos alterado sistematicamente os nossos ambientes aquáticos. E isso impacta diretamente na reprodução dos peixes."

A destruição das matas ciliares – vegetação às margens dos rios – também impacta na vida aquática. Isso porque algumas espécies ameaçadas de extinção, como o jaú, se alimentam de matéria orgânica, contribuindo para a limpeza da água de seu habitat. Além disso, sem a sombra das árvores propiciadas pelas matas ciliares, aumenta a incidência dos raios solares na água, o que acelera a fotossíntese e causa o crescimento desordenado de algas que retiram o oxigênio dos peixes, o que também interfere na vida aquática.

O projeto que pretende salvar a piracanjuba dos rios da região de Rio Preto através da “barriga de aluguel” é uma luz no fim do túnel para o futuro da vida aquática. Porém, pesquisadores defendem que não adianta somente salvar espécies de extinção, mas evitar que outras entrem para o Livro Vermelho da Fauna Brasileira Ameaçada de Extinção. (RC)

COMO FUNCIONA

1. Pesquisadores pegam as células reprodutivas da piracanjuba adulta e transplantam para um lambari

2. Surpreendentemente, essas células se adaptam ao corpo do lambari, se desenvolvem e produzem espermatozoides e oócitos

3. Para evitar que os lambaris que recebem células da piracanjuba produzam espermatozoides e oócitos de piracanjuba e também do próprio lambari, já que ele ainda apresentava células reprodutivas próprias, pesquisadores desenvolveram um lambari estéril.

4. Com esse procedimento, os lambari estão produzindo por meio de ‘barriga de aluguel’ apenas espermatozoides e oócitos da piracanjuba.

Motivo da escolha da piracanjuba

  • Existem diversos fatores que colocam a piracanjuba em risco de extinção, como a destruição do ambiente natural (poluição, barreiras, assoreamentos), a introdução de peixes de outras bacias hidrográficas, que competem com a piracanjuba e a pesca predatória, já que a piracanjuba é muito apreciada pela qualidade da carne e na pesca esportiva.
  • Para agravar esse panorama, a piracanjuba ainda apresenta o problema da baixa proporção de fêmeas, o que reduz a eficácia da reprodução e dificulta a perpetuação da espécie. Normalmente, a cada reprodução são apenas 10% de fêmeas geradas. Esse panorama dificulta a reprodução em cativeiro de uma espécie que já está ameaçada de extinção nos rios da região de Rio Preto.

Escolha do lambari para salvar a piracanjuba

  • O lambari é um peixe de pequeno porte encontrado em toda as Bacias do Brasil, chegando até na América do Norte. Além disso, o lambari se reproduz mais de uma vez ao ano; as fêmeas normalmente não morrem por estresse ou hemorragia e a proporção sexual é de 50% de fêmeas e 50% de machos.

Fonte: CTG Brasil, CEPTA (Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Peixes Continentais) - Laboratório De Biotecnologia de Peixes.

 
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